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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Da Medida de Segurança A confirmação do paradoxo entre a necessidade de prevenir e a finalidade de ressocializar.



Alhine Kalile Costa Silva


SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito – 3. O exame da culpabilidade quando da aplicação da medida de segurança – 4. Pressupostos de aplicação da medida de segurança – 5. Das espécies, execução e extinção da Medida de Segurança – 6. Sistemas de aplicação da medida de segurança (duplo binário e vicariante) – 7. Conclusão.

           1.  Introdução

“Ao mal do crime impõe-se o mal da pena”; as palavras de Kant resumem com fidelidade a forma como tem sido ministrada a aplicação das sanções no Brasil. Se a conduta delitiva é considerada um mal da sociedade, a pena não é vista de forma diferente, pois a tão almejada finalidade de ressocialização do condenado tem se mostrado ineficaz e o resultado conseguido na grande maioria das vezes é a reincidência. Deste modo, não seria muita ousadia afirmar que o Estado vem regredindo no que diz respeito à aplicação da pena e assemelhando-se com os períodos anteriores da história, onde as punições impostas aos criminosos tinham caráter apenas punitivo e os únicos objetivos eram a vingança e a instrumentalização do indivíduo, visando intimidar o restante da sociedade com a desproporcionalidade entre o mal causado e a sanção.
A realidade atual é, portanto, um paradoxo. Sendo que a lei prioriza a parcial reintegração do preso à sociedade, entretanto, é possível constatar através de simples observação que não basta que exista uma legislação que direcione seus fundamentos neste sentido, quando o Estado se desobriga em oferecer meios de efetivar positivamente este objetivo e a sociedade se exonera na sua contribuição para alcançá-lo.
A preocupação teórica em adequar a pena a realidade do crime e do condenado é observada em várias passagens do Código Penal; exemplo desta afirmação é o exame de culpabilidade e antijuricidade que é empregado em cada caso. Não basta que o agente realize uma conduta típica, considerada crime pelo ordenamento jurídico, é necessário ainda, avaliar os aspectos do caso concreto e os critérios pessoais do agente que serão determinativos no momento de valorar a reprovabilidade de sua conduta. Esta avaliação será primordial quando da aplicação da pena, visto que, se o autor não é culpável, a sanção não será imposta a ele de maneira tradicional.
O legislador considerou algumas hipóteses em que o sujeito ativo do fato típico não é considerado culpável, todavia, não significa que o mesmo será absolvido de sua responsabilidade. É o caso dos menores de dezoito anos que no lugar da pena estabelecida pelo crime cometido, sofrem medida sócia educativa, segundo as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069 de 13 de julho de 1990) e daqueles que possuem doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que serão submetidos à medida de segurança, regulada pelo próprio Código Penal e pela Lei de Execução Penal (Lei 7210/84).
Os inimputáveis por conta de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado e a maneira como são tratados pelas normas penais, serão objeto de estudo a seguir, pois assim como pena de forma geral, recebe críticas relacionadas à sua aplicação e finalidade, a medida de segurança é alvo de indagações e questionamentos da mesma natureza.

           2.  Conceito

Do ponto de vista prático não é totalmente simples definir o que é a medida de segurança. Apesar de ser uma espécie de pena, não tem o caráter retributivo e nem punitivo como as demais sanções previstas pelo Código Penal.
Segundo Damásio, “a medida de segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais.” Para tanto, a medida de segurança é uma alternativa às penas tradicionais, aplicada ao sujeito inimputável por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que tenha praticado um ilícito penal e possua presumida periculosidade, ou seja, a possibilidade de reincidir na conduta delitiva.
Enquanto as demais penas são fixadas tendo como base a gravidade e extensão da conduta do agente, a medida de segurança funda-se na periculosidade do acusado, uma vez que não é possível atribuir responsabilidade ao sujeito inimputável que não teve o discernimento e autodeterminação suficientes para vislumbrar o caráter ilícito de sua conduta. Outro ponto de diferenciação considerável é a flexibilidade da pena; enquanto aquelas têm sua duração definida no momento da condenação, não sendo admitido que posteriormente este lapso temporal seja aumentado, estas por sua vez podem ser alteradas de acordo com o exame realizado anualmente para apurar a periculosidade do autor do crime e atestar a possibilidade de sua liberação ou permanência sob o regime.
Deste modo, a medida de segurança não se equipara à condenação e nem à absolvição, sendo denominada como absolvição imprópria, pois o agente será “sancionado” de maneira distinta até que seja verificada a sua possibilidade de retornar ao convívio social.

3.  O exame da culpabilidade quando da aplicação da medida de segurança

O crime é um conjunto de requisitos, para tanto, a simples realização do fato previsto como delitivo, não o configura. São necessárias para que haja a configuração do crime, a prática do fato típico e a antijuricidade da conduta, de maneira que, naquela ação não esteja presente nenhuma causa de exclusão da antijuricidade, portanto, sem algum desses requisitos, não existe crime e a conduta do agente é considerada irrelevante para o Direito Penal.
No exame do crime é analisada ainda a culpabilidade que, todavia, não é um requisito e sim, um pressuposto do crime, pois mesmo que o agente não seja culpável, ainda assim o crime existe, o que não existirá é a possibilidade de valorar a ação do sujeito ativo como reprovável.
Quando do exame da prática delitiva verifica-se que o autor agiu em legítima defesa, por exemplo, exclui-se o crime como um todo, assim como dispõe taxativamente o artigo 23 do Código Penal com a expressão “não há crime”, entretanto, se for constatada a inimputabilidade do agente, ou seja, sua ausência de culpabilidade, o crime permanece na esfera jurídica e para tanto, responderá pelo ato praticado, mesmo com a aplicação de pena que vise o tratamento do agente e possua caráter completamente preventivo e curativo, como ocorre com a medida de segurança.
O entendimento é, portanto, que a culpabilidade funciona como liame entre a conduta do agente e a imposição da pena, se o sujeito for inimputável, fica isento da sanção e se for imputável avalia-se o teor de reprovabilidade de sua ação, uma vez que quanto maior sua culpabilidade, maior a pena.

            4.  Pressupostos para aplicação da Medida de Segurança

Assim como o crime exige a comprovação de requisitos para determinação da pena, a aplicação da medida de segurança requer a verificação de alguns pressupostos. Além da imputabilidade obrigatória do sujeito ao tempo da ação, é necessária ainda a prática de um fato descrito como crime e a periculosidade. Deste modo, jamais será admitido que a medida de segurança seja imposta ao sujeito detentor de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que apresente determinado grau de periculosidade, mas que não tenha cometido crime algum, do mesmo modo, não se aplica se o agente que praticou a conduta estava albergado por uma das hipóteses de exclusão da antijuricidade, neste caso o mesmo não é submetido a medida de segurança por não ser culpável e sim porque, faltando a ilicitude na conduta, o crime nem chegou a existir.
Ao que diz respeito à periculosidade, esta é presumida, sendo um juízo realizado sobre o futuro, ou seja, sobre a possibilidade de reiteração da conduta criminosa, todavia, não é apenas a presunção que auxilia nesta análise, existem outros fatores indicativos e subjetivos, portanto próprios do sujeito, que servem de referência para valorar sua periculosidade, sendo eles, critérios relacionados à sua moral, cultura, vida familiar e social, além dos sintomas de periculosidade verificados nos seus antecedentes criminais, civis ou administrativos que auxiliarão a revelar sua personalidade e os motivos determinantes da prática delituosa e suas circunstâncias (natureza, modo de realização do tipo, meios empregados, objeto material, momento da prática, lugar, conseqüência, etc.); para tanto, são estes os aspectos que serão fundamentais quando do momento de constatar os indícios de periculosidade do autor do crime.

            5.  Das espécies, execução e extinção da Medida de Segurança

A medida de segurança tem sua aplicação realizada de duas formas; podendo ser restritiva, quando o agente tiver de ser submetido a tratamento ambulatorial, ou seja, quando não houver necessidade de internação, de modo que o sujeito realize o tratamento externamente, ficando obrigado a comparecer com determinada freqüência ao médico ou pode ser ainda detentiva, significando a obrigatoriedade de internação do agente em hospital de custódia para realização de tratamento psiquiátrico, sendo esta modalidade escolhida se o crime cometido pelo inimputável for punido com pena de reclusão. Esta última possibilidade instiga uma polêmica no âmbito jurídico, pois os fatores que levam à aplicação da medida de segurança são extremamente subjetivos e sendo a culpabilidade analisada através de aspectos completamente pessoais do agente, seria no mínimo contraditório que o tipo de tratamento seja determinado de acordo com a espécie pena cominada pela prática do crime e não em conformidade com a necessidade do agente.
Fundamentada na idéia trazida pelo artigo 97 do Código Penal, a maneira de execução da medida segurança é estabelecida pela regra de que o prazo mínimo de sua duração será de um a três anos, assim como fixar o juiz da execução, após o trânsito em julgado. Tal dispositivo, em seu parágrafo primeiro dispõe que a medida de segurança se aplicará por tempo indeterminado, de modo que, perdure até que cesse a periculosidade do agente.
Esta colocação da lei penal é alvo de ferrenhas críticas relacionadas a sua redação , uma vez que não se estabelecendo tempo limite de execução, fica implícito que a medida de segurança é suscetível de duração ilimitada, violando completamente a garantia constitucional que proíbe penas de caráter perpétuo. Para tanto, com vistas a abolir esta possibilidade, o Supremo Tribunal Federal respaldado pelo princípio da unificação das penas trazido no Código Penal brasileiro pelo artigo 75, entende que assim como as demais penas, a medida de segurança, não terá duração superior a trinta anos, entretanto, diferentemente das demais sanções, a mesma possui um propósito terapêutico e curativo, portanto, se o agente não atingir a cura durante este tempo, também não foi atingida a finalidade primordial de sua aplicação, deste modo, seguem sustentando-se as divergências neste sentido.
A perícia médica que atesta a situação do inimputável será realizada assim que findar o prazo mínimo estabelecido pelo juiz e se for constatado que a periculosidade do agente permanece, a mesma voltará a se realizar anualmente ou a qualquer tempo se o juiz assim determinar. O término da medida de segurança ficará condicionada ao exame de cessação de periculosidade, para tanto, se for comprovado que a periculosidade do agente já cessou, o juiz determinará a desinternação ou a liberação do tratamento conforme a espécie de medida que estiver cumprindo, entretanto, a suspensão da internação ou tratamento não acarreta na total extinção da medida de segurando, pois se no decurso de um ano, o sujeito demonstrar qualquer ato indicador de periculosidade, a medida pode ser restaurada, todavia, findo este prazo sem que a periculosidade seja constatada novamente, se extingue para todos os efeitos a medida de segurança.

6.  Sistemas de aplicação da medida de segurança (duplo binário e vicariante).

Anteriormente à reforma penal de 1984, admitia-se que o juiz determinasse a fixação da medida de segurança juntamente com a pena tradicional de forma cumulativa e sucessiva em razão da periculosidade do agente, este sistema de aplicação é denominado duplo binário, entretanto, atualmente esta espécie de aplicação da medida de segurança não é admitida pelo Direito brasileiro, uma vez que se o agente era imputável ao tempo da ação, não faz sentido que sofra duas espécies de sanções. Para tanto, apenas se admite a aplicação do sistema vicariante, significando que o agente sofrerá apenas um tipo de sanção; se constatado que o mesmo é semi-imputável, por exemplo, o juiz se posicionará no sentido de optar entre a pena ou a medida de segurança, tendo como base a comprovação pericial da incapacidade mental do acusado, indicadora de presumível periculosidade.

7.  Conclusão

Em matéria de Direito penal, o Brasil precisa direcionar seus esforços com vistas a alcançar um constante aperfeiçoamento, uma vez que as críticas são advindas de toda parte. Obviamente que àquelas relacionadas à aplicação da medida de segurança não são diferentes, contudo, certamente as críticas não são de todo sem fundamento, sendo que a sua simples existência já implica na presunção de alguma deficiência na efetivação do Direito.
É de fácil compreensão que a medida de segurança, assim como o restante das penas, sendo estas, privativas de liberdade ou restritivas de direito na maioria das vezes não alcançam sua finalidade e perdem a eficácia no caminho entre reeducar, ressocializar, punir, alijar, prevenir ou curar o agente.
Se, por ventura, a lei penal, examinasse nessas hipóteses, a conduta do agente no caso concreto, diferenciando-os na particularidade de suas necessidades, a medida de segurança provavelmente alcançaria os resultados almejados e a sociedade se exoneraria no sentido de permanecer como vítima de réus reincidentes.
Para tanto, o instrumento de coerção e ressocialização do Estado, representado pela pena e mesmo pela medida de segurança que apesar do exclusivo caráter curativo e preventivo, tem a finalidade de responsabilizar o indivíduo pelos seus atos e evitar a reiteração dos mesmos, deve estar aliada a manifestação social, no sentido de valorizar a transformação do criminoso imputável ou inimputável em um indivíduo reintegrado ao convívio social, ao invés de alijá-lo por completo da sociedade, com penas e medidas cada vez mais severas, o que de fato, não auxilia na diminuição da criminalidade, contribui apenas para a construção de um Estado respaldado na repressão, quando em verdade o objetivo é a estruturação do Estado nos alicerces do bem-estar social.



Referências Bibliográficas
JESUS, Damasio de. Direito penal, volume 1: parte geral – 32 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
MARCÃO, Renato. Execução Penal – São Paulo: Saraiva, 2012. – (Coleção saberes do direito).
MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N., Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1.º a 120 do CP – 25 ed. rev. e atual. até 11 de março de 2009. – São Paulo: Atlas, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza, Código penal comentado – 10. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.