Alhine Kalile Costa Silva
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito – 3. O
exame da culpabilidade quando da aplicação da medida de segurança – 4. Pressupostos de aplicação da medida de segurança – 5. Das
espécies, execução e extinção da Medida de Segurança – 6. Sistemas
de aplicação da medida de segurança (duplo binário e vicariante) – 7.
Conclusão.
1. Introdução
“Ao mal do
crime impõe-se o mal da pena”;
as palavras de Kant resumem com fidelidade a forma como tem sido ministrada a
aplicação das sanções no Brasil. Se a conduta delitiva é considerada um mal da
sociedade, a pena não é vista de forma diferente, pois a tão almejada finalidade
de ressocialização do condenado tem se mostrado ineficaz e o resultado
conseguido na grande maioria das vezes é a reincidência. Deste modo, não seria
muita ousadia afirmar que o Estado vem regredindo no que diz respeito à
aplicação da pena e assemelhando-se com os períodos anteriores da história,
onde as punições impostas aos criminosos tinham caráter apenas punitivo e os
únicos objetivos eram a vingança e a instrumentalização do indivíduo, visando
intimidar o restante da sociedade com a desproporcionalidade entre o mal
causado e a sanção.
A realidade
atual é, portanto, um paradoxo. Sendo que a lei prioriza a parcial reintegração
do preso à sociedade, entretanto, é possível constatar através de simples
observação que não basta que exista uma legislação que direcione seus
fundamentos neste sentido, quando o Estado se desobriga em oferecer meios de
efetivar positivamente este objetivo e a sociedade se exonera na sua
contribuição para alcançá-lo.
A preocupação
teórica em adequar a pena a realidade do crime e do condenado é observada em
várias passagens do Código Penal; exemplo desta afirmação é o exame de
culpabilidade e antijuricidade que é empregado em cada caso. Não basta que o
agente realize uma conduta típica, considerada crime pelo ordenamento jurídico,
é necessário ainda, avaliar os aspectos do caso concreto e os critérios
pessoais do agente que serão determinativos no momento de valorar a
reprovabilidade de sua conduta. Esta avaliação será primordial quando da
aplicação da pena, visto que, se o autor não é culpável, a sanção não será
imposta a ele de maneira tradicional.
O legislador
considerou algumas hipóteses em que o sujeito ativo do fato típico não é
considerado culpável, todavia, não significa que o mesmo será absolvido de sua
responsabilidade. É o caso dos menores de dezoito anos que no lugar da pena
estabelecida pelo crime cometido, sofrem medida sócia educativa, segundo as
disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069 de 13 de julho de
1990) e daqueles que possuem doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado que serão submetidos à medida de segurança, regulada pelo próprio
Código Penal e pela Lei de Execução Penal (Lei 7210/84).
Os
inimputáveis por conta de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado e a maneira como são tratados pelas normas penais, serão objeto de
estudo a seguir, pois assim como pena de forma geral, recebe críticas
relacionadas à sua aplicação e finalidade, a medida de segurança é alvo de
indagações e questionamentos da mesma natureza.
2. Conceito
Do ponto de vista prático
não é totalmente simples definir o que é a medida de segurança. Apesar de ser
uma espécie de pena, não tem o caráter retributivo e nem punitivo como as
demais sanções previstas pelo Código Penal.
Segundo Damásio, “a medida
de segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar
que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas
infrações penais.” Para tanto, a medida de segurança é uma alternativa às penas
tradicionais, aplicada ao sujeito inimputável por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado que tenha praticado um ilícito
penal e possua presumida periculosidade, ou seja, a possibilidade de reincidir
na conduta delitiva.
Enquanto as demais penas são
fixadas tendo como base a gravidade e extensão da conduta do agente, a medida
de segurança funda-se na periculosidade do acusado, uma vez que não é possível
atribuir responsabilidade ao sujeito inimputável que não
teve o discernimento e autodeterminação suficientes para vislumbrar o caráter
ilícito de sua conduta. Outro ponto de diferenciação considerável é a
flexibilidade da pena; enquanto aquelas têm sua duração definida no momento da
condenação, não sendo admitido que posteriormente este lapso temporal seja
aumentado, estas por sua vez podem ser alteradas de acordo com o exame
realizado anualmente para apurar a periculosidade do autor do crime e atestar a
possibilidade de sua liberação ou permanência sob o regime.
Deste
modo, a medida de segurança não se equipara à condenação e nem à absolvição,
sendo denominada como absolvição imprópria, pois o agente será “sancionado” de
maneira distinta até que seja verificada a sua possibilidade de retornar ao
convívio social.
3. O exame da culpabilidade
quando da aplicação da medida de segurança
O crime é um conjunto de
requisitos, para tanto, a simples realização do fato previsto como delitivo,
não o configura. São necessárias para que haja a configuração do crime, a
prática do fato típico e a antijuricidade da conduta, de maneira que, naquela
ação não esteja presente nenhuma causa de exclusão da antijuricidade, portanto,
sem algum desses requisitos, não existe crime e a conduta do agente é
considerada irrelevante para o Direito Penal.
No exame do crime é
analisada ainda a culpabilidade que, todavia, não é um requisito e sim, um
pressuposto do crime, pois mesmo que o agente não seja culpável, ainda assim o
crime existe, o que não existirá é a possibilidade de valorar a ação do sujeito
ativo como reprovável.
Quando do exame da prática
delitiva verifica-se que o autor agiu em legítima defesa, por exemplo,
exclui-se o crime como um todo, assim como dispõe taxativamente o artigo 23 do
Código Penal com a expressão “não há crime”, entretanto, se for constatada a
inimputabilidade do agente, ou seja, sua ausência de culpabilidade, o crime
permanece na esfera jurídica e para tanto, responderá pelo ato praticado, mesmo
com a aplicação de pena que vise o tratamento do agente e possua caráter
completamente preventivo e curativo, como ocorre com a medida de segurança.
O
entendimento é, portanto, que a culpabilidade funciona como liame entre a
conduta do agente e a imposição da pena, se o sujeito for inimputável, fica
isento da sanção e se for imputável avalia-se o teor de reprovabilidade de sua
ação, uma vez que quanto maior sua culpabilidade, maior a pena.
4. Pressupostos para aplicação
da Medida de Segurança
Assim como o crime exige a
comprovação de requisitos para determinação da pena, a aplicação da medida de
segurança requer a verificação de alguns pressupostos. Além da imputabilidade
obrigatória do sujeito ao tempo da ação, é necessária ainda a prática de um
fato descrito como crime e a periculosidade. Deste modo, jamais será admitido
que a medida de segurança seja imposta ao sujeito detentor de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado que apresente determinado grau
de periculosidade, mas que não tenha cometido crime algum, do mesmo modo, não
se aplica se o agente que praticou a conduta estava albergado por uma das
hipóteses de exclusão da antijuricidade, neste caso o mesmo não é submetido a
medida de segurança por não ser culpável e sim porque, faltando a ilicitude na
conduta, o crime nem chegou a existir.
Ao
que diz respeito à periculosidade, esta é presumida, sendo um juízo realizado
sobre o futuro, ou seja, sobre a possibilidade de reiteração da conduta
criminosa, todavia, não é apenas a presunção que auxilia nesta análise, existem
outros fatores indicativos e subjetivos, portanto próprios do sujeito, que
servem de referência para valorar sua periculosidade, sendo eles, critérios
relacionados à sua moral, cultura, vida familiar e social, além dos sintomas de
periculosidade verificados nos seus antecedentes criminais, civis ou
administrativos que auxiliarão a revelar sua personalidade e os motivos
determinantes da prática delituosa e suas circunstâncias (natureza, modo de
realização do tipo, meios empregados, objeto material, momento da prática,
lugar, conseqüência, etc.); para tanto, são estes os aspectos que serão
fundamentais quando do momento de constatar os indícios de periculosidade do
autor do crime.
5. Das espécies, execução e
extinção da Medida de Segurança
A
medida de segurança tem sua aplicação realizada de duas formas; podendo ser restritiva,
quando o agente tiver de ser submetido a tratamento ambulatorial, ou seja,
quando não houver necessidade de internação, de modo que o sujeito realize o
tratamento externamente, ficando obrigado a comparecer com determinada
freqüência ao médico ou pode ser ainda detentiva, significando a
obrigatoriedade de internação do agente em hospital de custódia para realização
de tratamento psiquiátrico, sendo esta modalidade escolhida se o crime cometido
pelo inimputável for punido com pena de reclusão. Esta última possibilidade
instiga uma polêmica no âmbito jurídico, pois os fatores que levam à aplicação
da medida de segurança são extremamente subjetivos e sendo a culpabilidade
analisada através de aspectos completamente pessoais do agente, seria no mínimo
contraditório que o tipo de tratamento seja determinado de acordo com a espécie
pena cominada pela prática do crime e não em conformidade com a necessidade do
agente.
Fundamentada
na idéia trazida pelo artigo 97 do Código Penal, a maneira de execução da medida
segurança é estabelecida pela regra de que o prazo mínimo de sua duração será
de um a três anos, assim como fixar o juiz da execução, após o trânsito em
julgado. Tal dispositivo, em seu parágrafo primeiro dispõe que a medida de
segurança se aplicará por tempo indeterminado, de modo que, perdure até que
cesse a periculosidade do agente.
Esta
colocação da lei penal é alvo de ferrenhas críticas relacionadas a sua redação
, uma vez que não se estabelecendo tempo limite de execução, fica implícito que
a medida de segurança é suscetível de duração ilimitada, violando completamente
a garantia constitucional que proíbe penas de caráter perpétuo. Para tanto, com
vistas a abolir esta possibilidade, o Supremo
Tribunal Federal respaldado pelo princípio da unificação das penas trazido no
Código Penal brasileiro pelo artigo 75, entende que assim como as demais penas,
a medida de segurança, não terá duração superior a trinta anos, entretanto,
diferentemente das demais sanções, a mesma possui um propósito terapêutico e
curativo, portanto, se o agente não atingir a cura durante este tempo, também não
foi atingida a finalidade primordial de sua aplicação, deste modo, seguem
sustentando-se as divergências neste sentido.
A perícia médica que atesta
a situação do inimputável será realizada assim que findar o prazo mínimo
estabelecido pelo juiz e se for constatado que a periculosidade do agente
permanece, a mesma voltará a se realizar anualmente ou a qualquer tempo se o
juiz assim determinar. O término da medida de segurança ficará condicionada ao
exame de cessação de periculosidade, para tanto, se for comprovado que a
periculosidade do agente já cessou, o juiz determinará a desinternação ou a
liberação do tratamento conforme a espécie de medida que estiver cumprindo,
entretanto, a suspensão da internação ou tratamento não acarreta na total
extinção da medida de segurando, pois se no decurso de um ano, o sujeito
demonstrar qualquer ato indicador de periculosidade, a medida pode ser
restaurada, todavia, findo este prazo sem que a periculosidade seja constatada
novamente, se extingue para todos os efeitos a medida de segurança.
6. Sistemas de aplicação da
medida de segurança (duplo binário e vicariante).
Anteriormente à reforma
penal de 1984, admitia-se que o juiz determinasse a fixação da medida de
segurança juntamente com a pena tradicional de forma cumulativa e sucessiva em
razão da periculosidade do agente, este sistema de aplicação é denominado duplo
binário, entretanto, atualmente esta espécie de aplicação da medida de segurança
não é admitida pelo Direito brasileiro, uma vez que se o agente era imputável
ao tempo da ação, não faz sentido que sofra duas espécies de sanções. Para
tanto, apenas se admite a aplicação do sistema vicariante, significando que o
agente sofrerá apenas um tipo de sanção; se constatado que o mesmo é
semi-imputável, por exemplo, o juiz se posicionará no sentido de optar entre a
pena ou a medida de segurança, tendo como base a comprovação pericial da
incapacidade mental do acusado, indicadora de presumível periculosidade.
7. Conclusão
Em
matéria de Direito penal, o Brasil precisa direcionar seus esforços com vistas
a alcançar um constante aperfeiçoamento, uma vez que as críticas são advindas
de toda parte. Obviamente que àquelas relacionadas à aplicação da medida de
segurança não são diferentes, contudo, certamente as críticas não são de todo
sem fundamento, sendo que a sua simples existência já implica na presunção de
alguma deficiência na efetivação do Direito.
É
de fácil compreensão que a medida de segurança, assim como o restante das
penas, sendo estas, privativas de liberdade ou restritivas de direito na
maioria das vezes não alcançam sua finalidade e perdem a eficácia no caminho
entre reeducar, ressocializar, punir, alijar, prevenir ou curar o agente.
Se,
por ventura, a lei penal, examinasse nessas hipóteses, a conduta do agente no
caso concreto, diferenciando-os na particularidade de suas necessidades, a
medida de segurança provavelmente alcançaria os resultados almejados e a
sociedade se exoneraria no sentido de permanecer como vítima de réus
reincidentes.
Para
tanto, o instrumento de coerção e ressocialização do Estado, representado pela
pena e mesmo pela medida de segurança que apesar do exclusivo caráter curativo
e preventivo, tem a finalidade de responsabilizar o indivíduo pelos seus atos e
evitar a reiteração dos mesmos, deve estar aliada a manifestação social, no
sentido de valorizar a transformação do criminoso imputável ou inimputável em
um indivíduo reintegrado ao convívio social, ao invés de alijá-lo por completo
da sociedade, com penas e medidas cada vez mais severas, o que de fato, não
auxilia na diminuição da criminalidade, contribui apenas para a construção de
um Estado respaldado na repressão, quando em verdade o objetivo é a
estruturação do Estado nos alicerces do bem-estar social.
Referências
Bibliográficas
JESUS, Damasio de. Direito penal, volume 1: parte geral –
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MARCÃO, Renato. Execução Penal – São Paulo: Saraiva,
2012. – (Coleção saberes do direito).
MIRABETE, Julio Fabbrini,
FABBRINI, Renato N., Manual de Direito Penal, volume 1: parte geral, arts. 1.º
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NUCCI, Guilherme de Souza,
Código penal comentado – 10. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010.