Hélio Ponciano dos Reis Júnior
SUMARIO: 1. Introdução – 2.
Contrato – 3. Conceitos conforme o Código de Defesa do Consumidor – 4.
Contratos de adesão – 5. Conclusão – 6. Bibliografia.
1.
INTRODUÇÃO
Com o advento da
massificação da produção a partir da revolução industrial, e com a criação de
uma sociedade de consumo a partir do século XIX, os comerciantes se viram na
necessidade de criação de um instrumento contratual que lhe conferissem
agilidade para a realização de seus negócios. Estes negócios deviam ser
concluídos no menor tempo possível, para atender a demanda cada vez mais
crescente de consumidores que buscavam no comercio tradicional e atualmente também no
eletrônico a satisfação de suas necessidades e vontades. No mercado de consumo
atual em que a defasagem tecnológica de um bem outrora durável acontece cada
vez de maneira mais reduzida, gerando sua substituição, que antes era
estipulada pelos fornecedores em anos ou décadas, para o prazo de meses e ate
mesmo de semanas, é difícil imaginar a elaboração de um contrato em que as
partes discutam e elaborem individualmente as clausulas que o regem. Para atender
este mercado efervescente surge um contrato com clausulas pré estabelecidas
onde fica faltando em muitos casos apenas o aceite do consumidor para sua
conclusão.
2. CONTRATO
Em poucas linhas
para tratar de um assunto de tamanha complexidade é salutar buscarmos a
definição e os princípios basilares dos contratos. O principio de cumprimento
de acordo pactuado entre as partes sempre fizeram parte da vida em sociedade. Se
estudarmos as relações comerciais mais antigas veremos que os acordos
interpartes embora pactuados muitas vezes apenas de maneira verbal foram se
aperfeiçoando ate alcançar a segurança jurídica que este instrumento hoje
confere a pessoa seja ela natural ou jurídica. A concepção contratual clássica
foi delineada especialmente a partir do Código Napoleônico ou Código Civil dos
Franceses, em que se destaca entre seus princípios básicos:
1) a autonomia
da vontade, que permite ao contratante escolher com quem contratar e a livre
discussão das regras deste instrumento;
2) a força vinculante do contrato, que obriga
as partes ao cumprimento do seu conteúdo (pacta sunt servanda), assegurando se
necessário a busca da intervenção estatal para assegurar o adimplemento;
3) a
relatividade dos efeitos contratuais, que prevê que os efeitos do contrato
apenas entre as partes não sendo assim possível gerar obrigações a terceiros.
Estas premissas
apesar de concebidas no século XIX ainda permeiam o nosso Código Civil que
prevê em seu artigo 166 que a validade contratual esta vinculada a três
princípios sem os quais o negocio não alcança seus objetivos: capacidade das
partes, objeto licito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita
ou não defesa em lei.
Este principio
de ampla liberdade para contratar prevê um total equilíbrio entre as partes,
que os acordos seriam pactuados entre iguais. Considera o contrato justo apenas
porque se originou da vontade das partes. Mas com a disparidade econômica
existente no mercado global entre o consumidor e os fornecedores e com a
celebração de contratos muitas vezes ate com a velocidade de um clique na tela
do computador, o Estado teve que mudar sua postura. Passou de liberal para a
postura hoje adotada em
nosso País , uma postura Social, onde o Poder Estatal fomenta o
livre acordo entre as partes, mas se viu na necessidade de elaboração e edição
de regras, solenidades e em algumas situações vedar expressamente determinadas
clausulas para a manutenção da segurança jurídica objetivada em todo relação
contratual e para obter o alcance social do que é pactuado interpartes. A
teoria contratual clássica se renova e assume uma versão mais complexa e
contemporânea, uma postura mais abrangente em relação ao contrato, tendo em
vista sua importante função social, seja através da circulação e geração de
riquezas, seja pela geração e manutenção de empregos gerados a partir dos
mesmos. Passa a fazer parte do ordenamento civil e em especial do Código de
Defesa do Consumidor novos princípios que vem a se somar aos elencados na
teoria clássica. Entre eles podemos destacar:
a) supremacia da
ordem publica: limitador da autonomia da vontade, prevalência ao interesse
publico, que edita leis para garantir a supremacia da ordem publica como, por
exemplo, a regulação das relações de inquilinato e de consumo;
b)
consensualismo: que considera que o contrato se aperfeiçoa a partir do acerto
entre as partes, mesmo antes da entrega da coisa, ressalvado algumas exceções
como, por exemplo, contrato de mutuo, comodato e de deposito;
c) principio da
revisão dos contratos: entra em contraponto a previsão da obrigatoriedade de
cumprir o contrato, permitindo no caso do consumidor a interpretação de
clausula que gere duvida a interpretação mais favorável a parte mais
vulnerável;
d) principio da
boa-fé: que exige das partes comportamento probo. Este principio é citado
textualmente pelo Código Civil nos seus artigos 113, 187 e também pelo artigo
422. No CDC brasileiro o legislador deixa explicita no inciso III do artigo 4º
a presunção da boa-fé objetiva, baseado na solidariedade, lealdade e
transparência nos negócios realizados entre partes tão dispares, ou seja, não
basta o contrato refletir a vontade das partes, precisa buscar a equiparação
entre fornecedores e consumidores.
2. CONCEITOS CONFORME O CODIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de
Defesa do Consumidor, Lei 8078, de 11 de Setembro de 1990, vem elencar as
definições das partes que figuram nas relações de consumo, sendo seus
protagonistas o consumidor e o fornecedor.
O consumidor tem
sua definição no artigo 2° do CDC que afirma “Consumidor é toda pessoa física
ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
E complementa com o parágrafo único, “Equipara-se a consumidor a coletividade
de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de
consumo”. Cabe ressaltar que a amplitude de proteção almejada pelo CDC para o
consumidor já fica clara neste artigo que classifica como consumidor não apenas
quem adquiriu o produto ou serviço, mas também aquele que dele fez uso. Este
instituto fica mais evidente coma a leitura do artigo 17 que estende o direito
de reparação pelo fornecedor a qualquer pessoa que sofra algum dano causado
pelo seu produto e ainda a previsão legal do artigo 29 que estabelece que o
fato que mesmo inderteminaveis as pesssoas expostas à publicidade e propaganda,
estas se equiparam a consumidores.
Já o artigo 3º
do CDC ao definir a figura do fornecedor afirma “Fornecedor é toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Ou seja, na ótica deste
artigo será fornecedor tanto pessoa física ou jurídica que desenvolva atividade
mercantil ou civil de maneira reiterada mediante remuneração, equiparando ate
mesmo entes despersonalizados.
O contrato de
uso majoritário nas relações de consumo é chamado de contrato de adesão e sua
descrição é definida no artigo 54 do CDC que assim o classifica: “Contrato de
adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou
serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo.” Este artigo e seus parágrafos seguintes têm por objetivo regular a
emissão dos contratos, exigindo tamanho mínimo de letra, linguagem fácil e acessível
ao cidadão comum, com destaque para clausulas que limitem o direito do aderente
entre outros princípios implícitos.
4. CONTRATO DE ADESÃO
Em um mercado
pautado pela disparidade econômica entre os contratantes, com a crescente
agilização na conclusão dos negócios e com a disputa cada vez mais acirrada
pelos consumidores, gerando muitas vezes o achatamento da margem liquida obtida
nas negociações os fornecedores vêem a necessidade de fecharem em um período de
tempo cada vez menor, o uma quantidade cada vez maior de contratos com sue
publico alvo com vista à manutenção econômica financeira de seus
empreendimentos. É muito difícil, poderíamos dizer ate impossível imaginarmos
uma rede lojista onde seu representante sente pessoalmente com seus
consumidores para discutir as clausulas e condições que serão impostas a ambos
e a partir das vontades das partes e a partir deste livre debate de idéias
procedam à elaboração de um instrumento contratual personalizado com toda a
solenidade que tal ato pode ser revestir. É no anseio de agilizar a contratação
entre as partes que surge um modelo de instrumento contratual que rompe com um
principio fundamental do contrato. As clausulas são pré-estabelecidas. Cabe ao
consumidor apenas apor sua assinatura para concretizar o negocio, visto que é
comum inclusive a assinatura do fornecedor já estar impressa neste instrumento.
A inclusão de clausula adicional neste instrumento não o descaracteriza
conforme a previsão legal do parágrafo primeiro do artigo 54 do CDC, que afirma
textualmente que “A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza
de adesão do contrato”.
Ora se entre os princípios
basilares da teoria contratual se encontram a liberdade de escolher com quem contratar
a livre manifestação de vontade dos contratantes, e a geração de obrigações
para as partes a partir do que foi acordado o que se esperar de um contrato
elaborado de forma unilateral onde a única prerrogativa do aderente é concordar
ou não com a vontade outra parte. Na visão doutrinaria brasileira tais
princípios não são alcançados pelo contrato de adesão. Segue abaixo a
perspectiva a respeito deles:
- A previsão de
escolha de com quem contratar fica restringida, quando o consumidor procura um
banco para movimentação de conta ou uma loja para efetuar suas compras. A
possibilidade de escolha do estabelecimento, não o protege de encontrar em
qualquer destes, um contrato padrão que o sujeitam de maneira praticamente
uniforme entre os fornecedores concorrentes as mesmas obrigações. E essa
escolha lhe é negada na contratação de serviços essenciais operados por
concessionárias publicas como, por exemplo, nas áreas de abastecimento de água
e energia elétrica.
- A liberdade de
vontade novamente citando o exemplo do parágrafo anterior, fica bastante
prejudicada, visto que nos contratos não há a possibilidade de discussão
paritária das clausulas contratuais em sua essência. Cabe ao consumidor
concordar ou não. Não há interesse das empresas nesta discussão, visto a
massificação do atendimento imposto pela economia moderna.
- Quanto à
geração de obrigações previstas em tal instrumento é ingênuo na visão
doutrinaria a expectativa de contratos em que as clausulas busquem o melhor
para ambos, fornecedor e consumidor. É natural que quem detenha o poder de
imposição das regras do negocio, cuide com mais esmero dos seus interesses,
todavia o empresário no momento atual aumentou seu cuidado com a edição de
clausulas com conteúdo notoriamente abusivo, visto a proteção legal disponível
para a parte vulnerável. A anulação de clausulas abusivas ou a interpretação de
expressões dúbias em favor do consumidor é fato comum nos julgados brasileiros.
Importante salientar que a busca primordial é pela anulação da clausula abusiva
e não do contrato como um todo visto sua importância social.
Na busca de
equiparar tal discrepância entre as partes a legislação brasileira, a doutrina
consumerista e a jurisprudência vêem em socorro da parte mais vulnerável,
primeiro com previsões legais, e em um segundo momento com punições e revisões
contratuais, e ainda com termos de ajustamento de conduta junto às empresas.
5. CONCLUSÃO
O contrato de
adesão é hoje a maneira primordial de contratação para a vida em sociedade. Torna-se
um objetivo bastante difícil na economia atual visualizarmos um modo de
contratação que consiga alcançar a velocidade necessária para a manutenção da
geração e circulação de riquezas que são absolutamente necessárias ao fomento e
a manutenção da empregabilidade, esta por sua vez alicerce de nossa sociedade, se
não por um instrumento que apesar de não respeitar as peculiaridades volitivas
do individuo, consegue imprimir aos negócios a celeridade necessária ao ciclo
comercial e produtivo impostos pela vida moderna. Na aderência a este
instrumento a vontade do cidadão sofre restrições. A restrição de vontade é
ponto pacifico na doutrina brasileira, o que se altera é o grau atribuído a
este cerceamento de vontade. Há quem afirme que ocorra apenas sua diminuição e
ate quem desconsidere o instrumento como um instrumento contratual em sua
essência pela absoluta falta de manifestação da vontade do aderente na
confecção de suas clausulas. Se por um
lado é notória a exacerbada preponderância econômica de quem edita o
instrumento em detrimento de quem o aceita, é também notório o escopo do Código
de Defesa do Consumidor, do Código Civil e ate mesmo de nossa Carta Magna, que
em seus artigos possuem a previsão explicita e implícita de buscar a equiparação
de dois entes absolutamente distintos.
6. BIBLIOGRAFIA
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Theodoro Junior. Direitos do Consumidor: a busca de equilíbrio entre as
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MAZZILI, Hugo
Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio
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